Arqueologia Pré-Colonial



Entre seis mil anos atrás e o primeiro milênio da era cristã, o litoral brasileiro – inclusive o segmento paulista, neste caso representado pela Baixada Santista e litoral norte – foi intensamente povoado no passado por povos indígenas semi-nômades, bastante adaptados ao meio ambiente e portadores de eficiente tecnologia para a confecção de instrumentos que utilizavam na caça e na pesca. Respeitavam os mortos, que eram enterrados em locais específicos com vários acompanhamentos funerários. Não conheciam a técnica do fabrico da cerâmica, da domesticação de animais e da agricultura, embora muitos indícios levam a crer que usavam embarcações para navegação costeira.

Estes grupos deixaram profundas marcas de seus assentamentos no litoral – os sambaquis – sítios arqueológicos formados por depósitos artificiais de conchas (Rath, 1871; Capanema, 1874; Marques, 1880; Lacerda, 1885; Calixto, 1895; Ihering, 1898, 1903; Abreu, 1932). Os sambaquis se apresentam como colinas que podem atingir, em alguns casos, altura de até 20 metros (Fig. 4.01). O que diferencia os sambaquis dos concheiros naturais (assim denominados por muitos pesquisadores do início do século XX (Penna, 1876; Wiener, 1876; Hartt, 1885; Lofgren, 1893, 1903; Krone, 1902, 1908; Leonardos, 1938) é a presença de sepultamentos, vestígios de fogueiras, restos animais (e.g. dentes e ossos) e instrumentos (e.g. pontas de flechas e arpões) confeccionados pelos grupos sambaquieiros.

Foram construídos preferencialmente nos ambientes lagunares e estuarinos – conseiderados um dos locais mais férteis do mundo – ricos em moluscos, crustáceos e peixes. Vários povos indígenas, atraídos pela abundância de recursos marinhos, aí se estabeleceram e permaneceram por longo período, até que foram substituídos por sucessivas levas de povos agricultores e ceramistas, vindos do interior.

Os sambaquis são freqüentes nos litorais de todos os continentes, mas não se pode dizer que se tratava da mesma população, com a mesma unidade biológica e culutal. De fato, eram diversos grupos humanos que exploraram o mesmo ambiente, contando com a mesma matéria prima para a confecção de seu mobiliário, adaptado a necessidades semelhantes (Bartorelli e Isotta, 1965; Isotta, 1968). A literatura especializada em sambaquis converge para definição de diferentes sistemas que se construíram e reconstruíram como resposta a tensões e pressões multivariadas, ao longo de seis milênios (Piazza, 1974; Gaspar, 1991; Lima, 1999). Daí as configurações bastante distintas, em seus detalhes, dos vários sambaquis já estudados. A questão mais recente abordada pelas pesquisas trata do processo de formação destes sítios e a sua concepção como marco espacial (Gaspar e De Blassis, 1992; Afonso e De Blassis, 1994; Gaspar, 1995; Barbosa, 1999).

Na Baixada Santista, os estudos sobre sambaquis tiveram início nos anos 50, liderados por Paulo Duarte que na época formou um grupo com Luis de Castro Faria, do Museu Nacional e José Loureiro Fernandes da Universidade Federal do Paraná, iniciando uma série de procedimentos na defesa dos sambaquis, uma vez que estavam sendo destruídos pela exploração econômica.

Conseguiram meios legais para a proteção das jazidas e com o intuito de intensificar as pesquisas e formar pessoal, organizaram missões estrangeiras, numa das quais veio para o Brasil o casal Anette e Joseph Emperaire que “buscavam esclarecer o surgimento do homem no litoral sul-americano e construir uma síntese espacial e cronológica para a arqueologia brasileira” (Lima, 1999-2000).

Diversos sambaquis foram localizados e catalogados na região da Baixada Santista. De acordo com Calixto (1902), existiam treze sambaquis nos atuais municípios de Guarujá e Bertioga; outros catorze se localizavam nos estuários ao norte e oeste da ilha de São Vicente. Porém apenas quatro foram escavados sistematicamente na Ilha de Santo Amaro, Guarujá e quatro em Cubatão, em terrenos da COSIPA. O mesmo vale para o litoral norte do Estado de São Paulo onde foram catalogados e estudados um grande número de sítios arqueológicos como o Tenório e o Mar Virado.